quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Jurisprudência TJMG - DOMINIO



Decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, destacando que a utilização do nome de domínio por quem não é titular da marca pode induzir o consumidor a erro.

Número do processo: 2.0000.00.409856-6/000(1)
Relator: EDILSON FERNANDES
Relator do Acordão: Não informado
Data do acordão: 17/12/2003
Data da publicação: 07/02/2004
Inteiro Teor:

EMENTA: AÇÃO COMINATÓRIA - NOME DE DOMÍNIO NA INTERNET - “CELULARCARD” - UTILIZAÇÃO POR QUEM NÃO TEM O REGISTRO DA MARCA NO INPI - INADMISSIBILIDADE - CANCELAMENTO - INDENIZAÇÃO DEVIDA.

A utilização do nome de domínio na internet por aquele que não detém o direito sobre a marca vulnera a lei de propriedade industrial, porque possibilita que o terceiro não detentor do direito da marca confunda o usuário da rede, trazendo, inclusive, prejuízos de ordem financeira ao titular do direito de marca e induzindo o próprio consumidor a erro, pois poderá adquirir produto pensando ser de determinada marca, quando na realidade é de outra.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 409.856-6, da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): PAULO ROBERTO GENTIL ALVES - FIRMA INDIVIDUAL e Apelado (a) (os) (as): TELEMIG CELULAR S.A.,

ACORDA, em Turma, a Terceira Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, NEGAR PROVIMENTO.

Presidiu o julgamento o Juiz EDILSON FERNANDES (Relator) e dele participaram os Juízes TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO (Revisora) e MAURÍCIO BARROS (Vogal).

O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Produziram sustentação oral, pela Apelante, o Dr. Leonardo Alves da Silva Cançado e, pela Apelada, o Dr. Felipe Gazola Vieira Marques.

Belo Horizonte, 17 de dezembro de 2003.

JUIZ EDILSON FERNANDES, Relator.

V O T O

O SR. JUIZ EDILSON FERNANDES:

Trata-se de recurso interposto contra a r. sentença de fl. 303/308, proferida nos autos da Ação Cominatória ajuizada por TELEMIG CELULAR S.A. contra PAULO ROBERTO GENTIL ALVES - FIRMA INDIVIDUAL, que julgou procedente o pedido inicial, para cancelar, em definitivo, o registro de domínio “celularcard.com.br”, em nome da ré, para que o mesmo passe ao domínio da autora, assim como condenou a requerida a pagar indenização por lucros cessantes, a ser fixada por arbitramento, mais custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 20% sobre o valor da liquidação.

Em suas razões, sustenta a apelante que cabe ao detentor da marca, devidamente registrada no INPI, o direito de uso da mesma, mas a lei em momento algum determina que o registro do domínio na internet seja obrigatoriamente daquele que possui a marca.

Afirma que não infringiu o direito da apelada de utilizar-se do domínio de acordo com as disposições legais que tratam da proteção de sua marca; que não havendo lei que determine que o domínio de internet tenha por obrigação de ser efetuado em nome da detentora da marca, não pode ser compelida a cancelar o registro que fez, licitamente. Na eventualidade, ou seja, caso determinado o cancelamento do registro em nome da apelante, aduz que não há que se falar em indenização por lucros cessantes, vez que a recorrida nunca foi impedida de utilizar o domínio em questão, pelo que requer a reforma da r. sentença, com a inversão dos ônus da sucumbência ou que seja fixada de forma recíproca, com compensação de honorários.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

Segundo consta dos autos, a apelada ajuizou ação ordinária contra a apelante, objetivando o “cancelamento definitivo do registro de “nome de domínio” sob o controle da Ré, junto à FAPESP” (f. 25).

Compulsando os autos, verifico que a ação proposta pela recorrida não instaurou qualquer controvérsia que possa conduzir à anulação do registro de referida marca junto ao INPI, mas teve apenas o escopo de impedir o seu uso pela recorrente, com a anulação do registro que esta fizera junto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

Diante desse fato, observo que a hipótese dos autos consiste em analisar se aquele que não possui o registro de determinada marca junto ao INPI pode utilizar referida expressão, com exclusividade, na rede mundial de computadores (internet).

Entendo que o registro do “nome de domínio” na internet, embora ainda não regulado por lei específica, vez que existe apenas Resolução acerca da matéria, não deve desconsiderar os direitos decorrentes do registro de marca no INPI.

Isso porque a Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, dispõe que:

“Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.

§ 1º. Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.

§ 2º. O direito de precedência somente poderá ser cedido juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da marca, por alienação ou arrendamento” (destaquei).

Extrai-se da norma supracitada que procedendo a apelada o depósito da marca “celularcard” junto ao INPI, passou ela a deter todos os direitos decorrentes deste registro.

Igual procedimento é adotado no registro de nomes de domínio, ou seja, será conferido o direito ao nome de domínio na internet àquele que primeiro requerer, desde que não haja registro, ainda, de expressão idêntica (art. 1º da Resolução nº 001/98).

Não se exige a apresentação de qualquer comprovante de titularidade da expressão para o seu registro como nome de domínio, bastando apenas que o nome esteja livre no Comitê Gestor, para que sua titularidade e uso na rede sejam autorizados.

Entretanto, essa situação tem gerado não só em nosso País, mas também no mundo inteiro, uma nova e enorme “pirataria” de marcas, ficando o titular da marca impedido de produzir um site com a sua marca, circunstância que o impossibilita de comercializar ou divulgar seus produtos e serviços por meio da internet.

Vê-se, pois, que o registro do “nome de domínio” na internet, no meu entender, deve considerar e respeitar, evidentemente, eventuais direitos marcários legalmente reconhecidos.

A propósito, vale destacar a lição de GUSTAVO TESTA CORRÊA:

“Vemos, por conseguinte, o domínio como algo não primordialmente responsável pela distinção de produto ou serviço, semelhante ou afim, não sendo por isso marca. Porém, pelo fato de desempenhar função identificadora dentro da internet, seu núcleo, dependendo da natureza da informação alojada no site, e, assim, deverá obedecer aos preceitos da lei que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, sob pena de ser praticado o crime de concorrência desleal” (in Aspectos Jurídicos da Internet, Saraiva, 2.000, p. 22 - destaquei).

Nesse sentido, aliás, são os seguintes precedentes jurisprudenciais:

“À luz da legislação pertinente, deve ser resguardado o nome e marca previamente assentados nos órgãos competentes, evitando-se, assim, o aproveitamento indevido de atividade mercantil ou industrial de outrem, ou mesmo da imagem pertencente a terceiro. Destarte, evidenciada a possibilidade de prejuízos à empresa pelo uso indevido de seu nome comercial, devidamente registrado no INPI e na JUCEG, por outra empresa, na rede informatizada - Internet, afigura-se correta a sentença do juiz monocrático, que coíbe tal prática (…)” (TJGO, AC nº 64.419-4/188, 4ª C. Cív., Relatora Juíza Sandra Regina Teodoro Reis, j. 29.08.2002).

“O mero registro do endereço eletrônico levado a efeito junto à FAPESP não confere à agravante prioridade na utilização do nome e da marca de titularidade da agravada, que tem o direito exclusivo de uso e é preponderante” (TJSP, AI nº 144.041-4, Rel. Des. Leite Cintra, 7ª C. de Direito Privado, j. 23.02.2000).

Referidas decisões encontram-se em sintonia com o disposto no artigo 2º, III, “b,” do Anexo I da Resolução n. 001/98 do Comitê Gestor da Internet no Brasil, senão veja-se:

“Art. 2º: O nome escolhido para registro deve ter:

(…)

III - o nome escolhido pelo requerente para registro sob determinado —- deve estar disponível para registro neste DPN que subentende que:

(…)

b) não pode tipificar o nome não registrável, entre outros, palavras de baixo calão, os que pertençam a nomes reservados mantidos pelo CG e pela FAPESP com essa condição, por representarem conceitos predefinidos na rede internet, como é o caso do nome internet em si, os que passam a induzir terceiros a erro, como no caso de nomes que representem marcas de alto renome ou notoriamente conhecidas, quando não requeridos pelo respectivo titular” (destaquei).

Desse modo, revela-se inadmissível que terceira pessoa utilize o nome (ou marca) na internet sem a necessária e devida autorização de quem a tem para uso exclusivo, mediante a inscrição no INPI.

Não havendo ainda qualquer manifestação do colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, intérprete maior das leis infraconstitucionais do nosso ordenamento jurídico, com a devida vênia dos que entendem em sentido contrário, me posiciono no sentido de que a utilização do nome de domínio na internet por aquele que não detém o direito sobre a marca vulnera a lei de propriedade industrial, porque possibilitará que o terceiro não detentor do direito da marca confunda o usuário da rede, trazendo, inclusive, prejuízos de ordem financeira ao titular do direito de marca, assim como poderá induzir o próprio consumidor a erro, possibilitando a aquisição de produto pensando ser de determinada marca, quando na realidade é de outra.

Ora, é incontestável que qualquer veiculação objetivando disseminar serviço ou produto atinente à marca de propriedade da apelada via internet, cujo nome de domínio na rede pertence a um terceiro, traz fortes indícios de enriquecimento ilícito deste, razão pela qual deve o endereço eletrônico pertencer ao respectivo detentor da marca, nome empresarial e título da sociedade empresária.

Desta forma, como no caso dos autos o registro da marca “celular card” pela apelada junto ao INPI é anterior ao registro do nome de domínio “celularcard.com.br” pela apelante junto à FAPESP para utilização do site, entendo que se afigurou correta a r. sentença ao julgar procedente o pedido, para cancelar, em definitivo, o registro de domínio “celularcard.com.br”, em nome da ré, a fim de que o mesmo passe ao domínio da autora, que detém o direito ao uso exclusivo da marca.

Impende ressaltar, ainda, que a intenção da apelante era mesmo tirar proveito do site “www.celularcard.com.br” por ela registrado junto à FAPESP, conforme se denota da proposta de parceria de f. 46/50, utilizada pela recorrente para obter vantagens indevidas através de uso de marca que não lhe pertence.

Está, portanto, evidenciada a má-fé da apelante ao aproveitar do nome da marca registrada pela apelada, com o objetivo de obter vantagem econômica, suficiente a ensejar por parte daquela indenização por lucros cessantes como foi decidido na r. sentença, como forma pedagógica de coibição de “pirataria” e desestímulo à contrafação.

Assim, correto não só o cancelamento do registro em nome da apelante, como também a indenização por lucros cessantes, não sendo caso de reforma da r. sentença.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

Custas recursais pela apelante.

JUIZ EDILSON FERNANDES

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