quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Mercado Livre - Decisão do TJMG - E-Commerce



Jurisprudência

Decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, condenando web site de leilão ao pagamento de danos materiais e morais, em razão do cancelamento de cadastro de comprador, visto como suspeito, e recusa na devolução do dinheiro por ele depositado.

Número do processo: 1.0024.06.199230-1/001(1)
Relator: D. VIÇOSO RODRIGUES
Relator do Acordão: D. VIÇOSO RODRIGUES
Data do Julgamento: 04/09/2007
Data da Publicação: 15/09/2007
Inteiro Teor:

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - AQUISIÇÃO DE PRODUTO VIA INTERNET - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - CONFIGURAÇÃO - DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO - DANO MORAL - QUANTUM INDENIZATÓRIO - CRITÉRIO - MODERAÇÃO. O fornecedor responde, independente da comprovação de culpa, pelos danos causados aos consumidores em razão dos defeitos relativos aos serviços prestados. O cancelamento prematuro do cadastro de consumidor pelo fornecedor de serviços que intermedeia transação de compra e venda via internet, bem como a ausência de devolução dos valores depositados por aquele, configura defeito na prestação do serviço, sendo devida a indenização por danos materiais e morais. À falta de critérios objetivos, deve o juiz agir com prudência ao fixar o quantum indenizatório, atendendo às peculiaridades do caso sob julgamento e à repercussão econômica da indenização, de modo que o valor não deve ser nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno que se torne inexpressivo.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.06.199230-1/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): MERCADOLIVRE.COM ATIVIDADES INTERNET LTDA - APELADO(A)(S): MAURÍCIO DANIEL BARBOSA - RELATOR: EXMO. SR. DES. D. VIÇOSO RODRIGUES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 04 de setembro de 2007.

DES. D. VIÇOSO RODRIGUES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. D. VIÇOSO RODRIGUES:

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MERCADOLIVRE.COM ATIVIDADES DE INTERNET LTDA. contra a r. sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 14ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos da ação de indenização movida por MAURÍCIO DANIEL BARBOSA, julgou procedente o pedido inicial para condenar o ora apelante a devolver os valores pagos pelo autor na compra do projetor ACER PED 100-2000 LUMENS, bem como o pagamento da importância de R$5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais.

Insurge-se o apelante contra r. decisão alegando que suspendeu preventivamente o cadastro do apelado junto ao serviço denominado Mercado Pago por motivos de segurança, pois suspeitou que a sua conta de e-mail tivesse sido invadida por terceiros de má-fé.

Afirma que como o contato com os usuários é feito através de e-mail, a única alternativa que lhe restou foi aguardar que o verdadeiro Maurício Barbosa entrasse em contato com a empresa, uma vez que o envio de correspondência para o endereço eletrônico do apelado era inútil e até mesmo perigoso.

Sustenta que quem agiu com má-fé foi o apelado, pois este não procurou o apelante para questionar o cancelamento do seu cadastro e requerer a devolução da quantia depositada na conta do apelante.

Assevera que o apelado não demonstrou a existência do alegado dano moral e que a indenização fixada a este título favorece o enriquecimento ilícito, razão pela qual, pelo princípio da eventualidade, requer a sua minoração.

Pugna pelo provimento do recurso buscando a reforma da decisão prolatada em instância primeva.

Contra-razões às fls. 128-138.

Este o relatório. Decido.

Conheço do recurso por estarem presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

A responsabilidade civil, embora escorada no mundo fático, tem sustentação jurídica. Depende da prática de ato ilícito e, portanto, antijurídico, cometido conscientemente, dirigido a um fim, ou orientado por comportamento irrefletido, mais informado pela desídia, pelo açodamento ou pela inabilidade técnica, desde que conduza a um resultado danoso no plano material, imaterial ou moral.

Nestes termos, cumpre analisar os elementos ensejadores da responsabilidade civil decorrente de dever jurídico, quais sejam, conduta ilícita, dano e nexo de causalidade entre a conduta e o dano; a fim de verificar a caracterização ou não dos mesmos no caso dos autos.

O Código Civil, em seu art. 186, conceituou ato ilícito, para fins de responsabilidade civil, senão vejamos: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Estendendo as hipóteses de ato ilícito capaz de ensejar responsabilidade civil, traz ainda o Código Civil, em seu art. 187 o seguinte preceito: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Diante destes conceitos básicos e da conduta imputada ao réu pelo autor, verifico que aquele, ao reter por cinco meses o valor depositado pelo apelado com o objetivo de adquirir o projetor modelo ACER PD 100 - 2000 LUMENS sem nenhuma justificativa para tal praticou ato ilícito, senão vejamos.

Restou incontroverso nos autos que o apelado realizou a compra do equipamento supra citado através de propaganda veiculada no sítio eletrônico mantido pelo apelante, tendo realizado através de um serviço denominado Mercado Pago o depósito da importância de R$2.393,48 (dois mil trezentos e noventa e três reais e quarenta e oito centavos) que deveria ser liberada para o vendedor do produto somente com a autorização do autor, após o recebimento da mercadoria.

Após o prazo estipulado para a entrega e não tendo o autor recebido o produto, este não autorizou que o apelante efetuasse o pagamento para o vendedor. Em seguida, o apelante descadastrou o apelado e não devolveu a quantia por este depositada.

A alegação do apelante de que suspendeu o cadastro do autor em decorrência da suspeita de que terceiros violaram sua conta de e-mail não merece prosperar, primeiro porque se existia referida suspeita, deveria o recorrente ter efetivamente comprovado em quais dados ou fatos se embasou para tomar a tal atitude, fato que não ocorreu nos autos.

Segundo ensina a melhor doutrina, a necessidade de provar é algo que se encarta, dentre os imperativos jurídico-processuais, na categoria de ônus, sendo por isso que a ausência de prova acarreta um prejuízo para aquele que deveria provar e não o fez. A própria lei assim categoriza essa posição processual ao repartir o ônus da prova no art. 333 do Código de Processo Civil.

O ônus da prova tem a sua ratio essendi na circunstância de que o juiz não pode deixar de julgar, impondo-lhe a lei que decida mesmo nos casos de lacuna. Dessa forma, se o juiz não se exime de sentenciar e a prova não o convence é preciso verificar em desfavor de quem se operou o malogro da prova. Forçoso, assim, observar se o juiz não se convenceu quanto aos fatos sustentados pelo autor ou quanto àqueles suscitados pelo réu, posto que, a partir dessa constatação ele tributará a frustração da prova a uma das partes para decidir em desfavor desta.

Em segundo lugar, ainda que a violação do cadastro do autor tivesse ocorrido, o apelante não poderia ter realizado o seu cancelamento sem prévia comunicação ao apelado, bem como não poderia ter retido a importância depositada por este durante cinco meses sem lhe dar nenhum retorno ou justificativa plausível para tanto.

Deveria o recorrente ter procurado outros meios de entrar em contato com o apelado para acertar a devolução do dinheiro, tendo em vista que no cadastro inicial são fornecidos endereço, telefone, dentre outros dados do consumidor.

Sendo assim, dúvidas não restam de que havia outros meios igualmente seguros para o apelante contactar o apelado a fim de comunicá-lo da suposta violação de seu cadastro por terceiros, bem lhe devolver o dinheiro que foi previamente depositado.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, caput, preceitua que o fornecedor de serviços será responsabilizado, independente de culpa, pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços.

O fornecedor somente se exime da responsabilidade de reparar o dano se demonstrar que não existiu defeito na prestação do serviço ou que o evento danoso ocorreu por culpa exclusiva do consumidor (art. 14, § 3º do CDC).

Assim, já decidiu este Tribunal:

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - CONSUMIDOR - CARTÃO MAGNÉTICO - CAIXA-RÁPIDO - RISCO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - ÔNUS DA PROVA - INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, VIII e 14, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

- Nos moldes do que preconizam os arts. 6º, VIII e 14, caput e § 3º, do CDC, cabe ao fornecedor demonstrar a segurança e a qualidade da prestação de seus serviços, devendo indenizar o consumidor que for lesado, em decorrência de falha ou defeito naquela atividade.

(TAMG - Apelação Cível n.º 396.695-6 - Sexta Câmara Cível - Rel. Beatriz Pinheiro Caires - Data do Julgamento: 12/06/2003)

Conclui-se, portanto, que houve falha na prestação do serviço por parte do apelante não havendo, como bem lançado na sentença primeva, nenhuma das hipóteses de exclusão prevista no art. 14, §3º do CDC.

Dessa forma, presentes os requisitos que autorizam a responsabilização civil da ré, quais sejam, conduta culposa, dano e nexo de causalidade, imperiosa se faz a confirmação da sentença que reconheceu a procedência do pleito inicial.

No que tange ao quantum indenizatório fixado a título de danos morais, cumpre observar que não existem critérios uniformes para a quantificação do dano moral, ao contrário do que ocorre com os danos materiais.

Desta forma, à falta de critérios objetivos, deve o juiz agir com prudência ao fixar o quantum indenizatório, atendendo às peculiaridades do caso sob julgamento e à repercussão econômica da indenização, de modo que o valor não deve ser nem tão grande, que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno, que se torne inexpressivo.

Sendo assim, é necessário estabelecer parâmetros objetivos ao arbitramento do valor da indenização, tais como, as circunstâncias do caso concreto, o grau da culpa do agente, sua condição econômica e a extensão do prejuízo suportado pelo ofendido. Ademais, não se deve esquecer que a indenização consiste, ao mesmo tempo, em uma reprimenda pelo ato ilícito do ofensor e uma compensação pelo sofrimento do ofendido. Tendo, portanto, caráter pedagógico e reparatório.

Dessa forma, levando-se em consideração todos os parâmetros mencionados, especialmente as circunstâncias do fato, as condições econômico-financeiras do recorrente, a gravidade objetiva do dano e a extensão de seu efeito lesivo, aliados à necessidade de se fixar uma indenização que não constitua enriquecimento da parte autora, mas que configure desestímulo de novas infrações, entendo que a verba indenizatória fixada na sentença no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) se mostra adequada para o caso em questão, razão pela qual a mantenho.

Nestes termos, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas recursais pelo apelante.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ELPIDIO DONIZETTI e FABIO MAIA VIANI.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.06.199230-1/001

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